terça-feira, 21 de maio de 2013

Carioca sai para passear e deixa lixo nas ruas! Por quê reclamar se não melhoramos nossos hábitos?

Um dia no parque

O carioca tem uma relação de amor e ódio com suas áreas de lazer. Gosta das atividades ao ar livre e do contato com a natureza. Só que, ao fim de um dia de passeio, deixa para trás um rastro de sujeira

Cláudio Motta
RIO - Vista à distância, a cena é bonita: um domingo nos parques cariocas sob um sol aprazível e rodeado por natureza. Um lugar com espaço suficiente para andar de bicicleta ou patins, correr, descansar sob uma árvore, jogar conversa fora, ler, fazer piquenique com a família ou amigos. Cariocas costumam repetir esse ritual nos fins de semana. Só que muitos dos que procuram essa forma de lazer colaboram para sujar as áreas verdes da cidade.
No desleixo com o espaço público vale de tudo um pouco: um guardanapo jogado no chão, uma guimba de cigarro atirada a esmo, restos de comida espalhados no gramado ou garrafas PETs boiando nos lagos. Em um único dia, os funcionários da Comlurb chegam a recolher duas toneladas de lixo em apenas um dos 32 parques que a empresa pública limpa na cidade. É resíduo suficiente para encher pouco menos da metade da caçamba de um caminhão.
De algum modo, reproduz-se nos parques o que acontece nas ruas da cidade. É como se o espaço público não tivesse dono. E a sujeira fosse responsabilidade dos garis. Há cariocas que fogem à regra, mas aqueles que jogam lixo no chão — ou simplesmente o “deixa para lá” — se justificam transferindo a obrigação de cuidar do lixo para o poder público. O governo, por sua vez, joga a responsabilidade na falta de consciência da população. É um assunto que divide opiniões e, quando os dois lados não se entendem, acontece na prática o que diz a chamada máxima das janelas quebradas: num prédio mal conservado, mais vândalos atuam; num local sujo, mais lixo se acumula.
— Não há segredo, para manter um parque público limpo, é preciso haver um bom sistema de conservação e uma certa vigilância, além de um processo de orientação, como placas pedindo que as pessoas mantenham o parque limpo — destaca o engenheiro João Alberto Ferreira, consultor de resíduos sólidos e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A receita foi testada no Parque Nacional da Tijuca, quando o especialista trabalhou na Comlurb, nos anos 90. Na época ele percebeu que, em apenas três horas, as áreas de lazer com churrasqueiras ficavam sujas. Um gari foi colocado de plantão no local. A ordem era recolher o lixo jogado no chão e colocá-lo imediatamente na lixeira:
— As pessoas se sentiram controladas, mesmo sem o gari falar nada.
Injustiça afirmar que todo carioca joga lixo no chão. O professor de biologia Ânderson Oliveira costuma recolher a sujeira alheia sempre que se depara com ela. Ao passear com a família na Quinta da Boa Vista, num domingo ensolarado, indignou-se com a falta de zelo com o parque:
— Muitos pais estão perdendo a oportunidade de ensinar a seus filhos que não se deve jogar lixo em locais inadequados.
Sua filha de três anos já sabe separar o lixo seco do orgânico.
— As pessoas mantêm nos parques um hábito das ruas. Não há qualquer preocupação em deixar o espaço público limpo, seja nas ruas da cidade ou nas áreas verdes — diagnostica Emílio Eigenheer, que, assim como Ferreira, é professor da Uerj. — Intelectuais tentam explicar a sujeira nos espaços públicos. Há quem diga que seja herança de uma tradição escravocrata. Outros falam em falta de fiscalização. Acho que é uma combinação de todas essas hipóteses.
Estudioso do tema, Eigenheer lista as causas da falta de civilidade nos espaços públicos. Três delas são de responsabilidade do poder público. Dessas, a primeira é a ineficiência da empresa responsável pela limpeza pública, a segunda é a escassez de campanhas de educação ambiental para conscientizar o cidadão e a terceira é a falta de punição dos infratores. O quarto e último pilar é pessoal e intransferível. Ou seja, cabe ao cidadão assumir a responsabilidade de cuidar do seu próprio lixo:
— Sem a ajuda de cada um, não há estrutura que consiga manter uma cidade limpa.
As críticas de Eigenheer à gestão pública do lixo incluem a falta de dados da Comlurb. A empresa desconhece o perfil do Sujismundo — personagem desenhado pelo publicitário Ruy Perotti e protagonista de uma campanha nacional de combate à sujeira e à falta de higiene nos anos 70. A própria Comlurb admite que é impossível fazer uma gestão eficiente dos resíduos sem um diagnóstico do problema. A empresa promete divulgar, em três meses, o resultado de uma pesquisa de campo.
À frente do levantamento está o novo diretor de Serviços Especiais e Ambientais da Comlurb, Julio Cesar Santos, que assumiu o cargo há pouco mais de 20 dias. Ele antecipou que a Quinta da Boa Vista será o primeiro parque público a ser adaptado às novas regras da gestão do lixo:
— Não consigo planejar a limpeza pública sem conhecer o que ocorre nos parques. Nosso marco zero será o estudo de hábitos de consumo. Com ele, poderemos saber quais são os melhores equipamentos para o Parque do Flamengo, que podem não ser os mesmos da Quinta da Boa Vista e vice-versa. No inverno, o usuários costumam ter um comportamento diferente daquele que adotam no verão. Todo esse trabalho será feito para que os parques não fiquem com uma aparência ruim e com o lixo transbordando.
Nome sujo na praça
Outra frente de atuação da prefeitura será a punição. A partir de julho, quem sujar áreas públicas no Rio poderá ser multado. O Programa Lixo Zero quer fazer valer a Lei de Limpeza Urbana, que data de 2001. Quem for pego na infração jogando uma latinha no chão, por exemplo, poderá ser autuado em R$ 157. O valor da multa será dado segundo a gravidade da infração, podendo chegar a R$ 3 mil em caso de despejo de entulho. E mais: quem não pagar a multa ficará com o nome sujo na praça. E aqueles que se recusarem a apresentar carteira de identidade ou liberar o número do CPF poderão ser levados para uma delegacia.
— No caso do uso de cinto de segurança, a ameaça de multa funcionou, criando um novo modelo de comportamento. Quando ele se consolida, acaba provocando um efeito multiplicador — comenta a psicóloga Cleide Sousa, cujo doutorado feito no Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) enfocou o descarte inadequado em áreas públicas urbanas.
Sua pesquisa, que durou quatro anos para ser concluída, testou a eficiência da fiscalização e das campanhas de comunicação. Seu estudo de caso foi um shopping de Brasília, que lançou mão de uma campanha simples, porém eficiente. Cartazes para manter o ambiente limpo foram distribuídos na praça de alimentação. Em pouco tempo caiu a menos da metade o percentual de pessoas que deixavam lixo sobre a mesa, uma queda de 93% para 40%.
Os testes realizados durante as pesquisas permitiram que Cleide tirasse outras conclusões. Um dos resultados que ela considerou mais interessantes foi a diferença entre o que é dito e o que é feito de fato pelas pessoas. Em mais de mil casos, os que declararam conhecer as consequências socioambientais do descarte inadequado dos resíduos foram os mesmos que deixaram a própria bandeja suja sobre a mesa:
— As campanhas podem funcionar, basta dizer claramente para as pessoas o que se espera delas. E, na medida em que as primeiras pessoas atendem, há um bom exemplo a ser seguido pelas seguintes.
O trabalho da psicóloga no shopping de Brasília conseguiu reunir evidências de que os locais mantidos limpos tendem a ser mais bem tratados por seus frequentadores.
Bom exemplo
O mesmo comportamento vem se repetindo no Parque Madureira, cujo público recebeu rasgados elogios dos garis da Comlurb. Lá as pessoas não deixam os detritos espalhados e usam as lixeiras do parque. Em nota, a empresa informou que “as pessoas respeitam o espaço como se estivessem em casa”. Fora dos cartões-postais, o parque da Zona Norte, o terceiro maior e o mais novo da cidade, foi concebido para ser ecologicamente correto. Inaugurado em junho de 2012, já recebeu, por causa de suas boas práticas, o selo Alta Qualidade Ambiental (Aqua).
Este é o único local em que a Comlurb tem a capacidade de cravar com exatidão a quantidade de lixo recolhido: 23 toneladas de resíduos mensais, sendo que, em um único fim de semana, o peso varia de quatro a cinco toneladas. Outra exceção: uma caçamba especial para material reciclável recebe uma tonelada mensal de lixo.
Diminuir o volume de resíduos gerado nas áreas de lazer é um outro desafio. Na hora de planejar o passeio ao ar livre, materiais retornáveis e poucos produtos com embalagens descartáveis de plástico ou de papel reduzem o impacto ambiental da atividade. Exatamente como fez o grupo de amigos do professor de educação física Cláudio Coelho, que costuma se reunir com os amigos no Parque Lage, na Zona Sul do Rio, para piqueniques nos fins de semana.
A administração do local fica sob a responsabilidade da Escola de Artes Visuais, ligada à Secretaria Estadual de Cultura. Em vez da Comlurb, uma empresa privada foi contratada para fazer a coleta de lixo do parque.
— Piquenique requer planejamento. No nosso caso, fizemos questão de pensar no lixo. Trouxemos sacos plásticos, porque as lixeiras no Parque Lage costumam ficar distantes. E também copos reaproveitáveis, o que diminui o volume de lixo — disse Coelho.
Cruzada conta a sujeira
Cartão postal de São Paulo, o Parque do Ibirapuera já enfrentou problemas sérios com o acúmulo de lixo. Transformado em palco de megashows da MPB aos domingos nos fins dos anos 90 — Rita Lee chegou a reunir 100 mil pessoas numa única apresentação em 1999 — o Ibirapuera via seus gramados e vielas ficarem cobertos por garrafas PET e copos de plástico ao fim das apresentações. A sujeira explícita chegou a causar revolta nos que usam o local para correr e se exercitar de segunda a sexta. As grandes apresentações ao ar livre deram lugar a shows menores, em espaços apropriados, mas ainda assim o parque continua recebendo, em média, 350 mil de pessoas nos finais de semana.
Na última década, o paulistano aprendeu a respeitar o oásis verde de 1,5 milhão de metros quadrados dentro da Zona Sul da cidade. Hoje, praticamente não se vê lixo no chão. É quase como se um visitante fiscalizasse o outro: se alguém jogar algo no chão, com certeza será alvo de reprovação.
Para Carlos Silva Filho, diretor-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos, uma das medidas que impulsionou a mudança de comportamento do paulistano foi a disponibilização de estrutura nos parques, com a implantação de lixeiras em vários pontos:
— Isso faz com que o cidadão tenha como descartar, mais facilmente, estes resíduos de maneira adequada. A manutenção destas lixeiras, como esvaziar os recipientes e limpá-los, também é importante. Quando a pessoa vê a lixeira limpa e sem mau cheiro, ela vai jogar o lixo no lugar correto.
O comportamento observado no Ibirapuera se repete em outros parques da cidades, como o Villa Lobos e o Água Branca.
Além da melhora de infraestrutura nos parques, Silva Filho acredita num aumento de consciência das pessoas:
— Se ele joga o lixo no lugar errado, o prejudicado é o próprio usuário. Nos parques isso deu certo. Mas ainda sofremos com a questão de se jogar lixo nas ruas. Ainda não conseguimos sensibilizar as pessoas de que a rua também é um bem público que deve ser zelado. O parque que ele frequenta, o cidadão não quer ver sujo. Com a rua, ele ainda não enxerga da mesma maneira.
O Ibirapuera tem um esquema para manter o parque limpo: duas equipes com 32 funcionários cada. Por mês, são coletadas 120 toneladas de lixo, segundo dados da administração do parque. De tudo que é recolhido, 70% vão para aterro sanitário. O restante, material reciclável, é retirado do parque por uma cooperativa.
Frequentadora do parque durante os dias de semana, a empresária Ana Paula Barros, de 41 anos, diz que costuma se deparar sempre com um Ibirapuera limpo, mesmo depois de megaeventos. Ela se surpreendeu, por exemplo, com a limpeza do parque após o feriado do dia 1º de Maio.
Uma sujeira milenar que perpassa os séculos
Produzir resíduos faz parte da vida humana. “Com base em estudos arqueológicos, hoje é possível afirmar que na pré-História já se queimava lixo, supostamente para eliminar o mau cheiro”, escreve Emílio Eigenheer, professor da Uerj e autor do livro “A história do lixo — A limpeza urbana através dos tempos” (2009). O trabalho, baseado em sua tese de doutorado feito na Alemanha, mostra como o homem trata seus resíduos até os dias de hoje.
Destinar corretamente o lixo é uma questão decisiva para a vida das cidades, muito antes do interesse pelas questões ambientais. O problema se agravou por volta de 4 mil anos a.C., quando ocorreu a fixação dos nômades em aldeias.
— Durante a pesquisa percebi que a relação do homem com seus resíduos e dejetos sempre foi muito complicada. Além disso, os conceitos mudam dependendo do lugar e do tempo. Meu estudo se concentrou no Ocidente — explica Eigenheer.
Roma e Grécia, na Antiguidade, atingiram, ao lado de outras cidades, tamanho expressivo. E por isso foram obrigadas a lidar de maneira sistemática com o seu lixo. Havia o reaproveitamento do material orgânico na agricultura. Inclusive as fezes acumuladas nas estrebarias do rei Augias, como revela a mitologia grega, eram desviadas para os campos. O autor da solução, Hércules, foi considerado o patrono da limpeza urbana na Grécia antiga.
Extremamente complexa, Roma chegou a ter sete mil bombeiros. Seu sistema de limpeza pública foi se constituindo aos poucos, e chegou ao apogeu na época dos imperadores. Estimativas indicam que a população da cidade era de um milhão de habitantes: “Apesar de proibido, o ato de jogar, à noite, fezes e urina pela janela tornou-se para muitos um hábito que se perpetuou em muitas cidades até o século XIX, com repercussão inclusive no Brasil”. Em Paris, foi permitido “lançar água” pela janela até 1372. Bastava gritar três vezes, avisando. Esta prática, mesmo proibida, perdurou até 1780, e precisou ser coibida pela polícia.
Em 189 a.C., Roma começou a pavimentar intensamente suas ruas. Leis indicavam que caberiam aos proprietários das casas a limpeza da calçada até o meio da rua, no ano de 45 a.C.
— Estas normas de Roma foram criadas para evitar que o lixo da calçada fosse varrido para a sarjeta, que passa a ser símbolo de decadência. A linguagem do lixo é essa — ressalta o pesquisador. — E consta na Lei Orgânica do Rio em vigor: os moradores são responsáveis pelas suas calçadas.
A limpeza era uma função que esteve frequentemente subordinada ao carrasco da cidade. A ajuda de prisioneiros e prostitutas também era comum. Foi na Idade Média que surgiram as primeiras proibições da destinação inadequada de dejetos por carroceiros, assim como o lançamento de lixo e fezes nas ruas e o uso da água das chuvas como meio de se livrar de detritos.
A partir do final da Idade Média para a Modernidade, surgiram os serviços organizados de limpeza urbana. A cidade de Praga passou a usar carroças em 1340 para a coleta regular de lixo. Em Paris, o trabalho começou no final do século XIV. “É a partir de 1666, em Londres, que se conta com um serviço organizado de limpeza de ruas. Sorteavam-se entre os cidadãos aqueles que, mediante juramento, responsabilizavam-se pela conservação de áreas da cidade”, ressalta o livro.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, havia canteiros com lixo medindo mais de dois metros de altura por sete metros de comprimento. Os americanos depositavam seus detritos em aterros sanitários, onde eram recobertos por terra. Assim, evitavam o aparecimento de moscas, fogo e odor. Atualmente, os aterros sanitários também requerem impermeabilização do solo, tratamento do chorume e dos gases, além de paisagismo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o volume de lixo passou a ser muito maior, em decorrência do desenvolvimento industrial. Nos anos 70, surgiu uma sofisticada gestão de resíduos sólidos na Alemanha. Em 1993, foram estabelecidos no país diferentes tipos de aterros sanitários. Sistemas de coleta seletiva, disseminados nacionalmente, facilitam a compostagem da matéria orgânica, a reciclagem de embalagens e a incineração de produtos perigosos.
Para contar a história do lixo no Brasil, o autor voltou ao tempo em que as primeiras comunidades ocuparam nosso litoral. Estes povos deixaram os sambaquis — verdadeiras montanhas de conchas e artefatos que podiam ter mais de 30 metros de altura. Nestes sítios arqueológicos, pesquisadores encontram ossos de animais, sementes, objetos de pedra e até restos mortais humanos. “A referência aos sambaquis serve também para acentuar que áreas de destino de lixo em diferentes locais e épocas são fontes importantes de estudos e podem ensejar uma reflexão sobre as estreitas relações que se dão entre lixo, morte e memória”, diz o livro.
Os padrões de higiene das cidades brasileiras são historicamente ruins, como revelam vários documentos citados no livro. A efetivação dos serviços de limpeza esbarrava em inúmeros entraves. Em 1876, a empresa de Aleixo Gary finalmente foi contratada no Rio de Janeiro. Daí veio a palavra gari. A firma atuou até 1891. Depois, a Inspetoria de Limpeza Pública iniciou, em 1895, a construção de um forno para a queima de lixo em Manguinhos. A incineração se fez presente até os anos 1960. A Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) surgiu em 1975, e permanece até hoje.
(Colaborou Jaqueline Falcão)
URL: http://glo.bo/13GCqad

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